segunda-feira, 15 de novembro de 2010

AO CAIR DA TARDE NA REPÚBLICA

15/11/10. O silêncio desta noite da República me fez encontrar-me nos pensamentos de uma carta escrita por Saint-Exupéry em maio de 1944, dois meses antes de desaparecer no mar. "Agradeço-lhe muitas coisas. Quais, não sei. Coisas que contam são invisíveis. Não se agradece a um jardim. Há os seres-jardim e há os seres-pátio. Estes passeiam seu pátio com eles mesmos, nos sufocam entre suas 4 paredes. Somos obrigados a falar com eles para fazer barulho. O silêncio num pátio é penoso! Mas em um jardim a gente passeia. Podemos calar-nos e respirar, estamos à vontade. E as surpresas felizes acontecem diante de nós. Uma borboleta, um besouro, um vaga-lume aparecem. Nada se sabe sobre a civilização do vaga-lume. O besouro parece saber aonde vai. É apressadíssimo. A borboleta, quando pousa numa flor, dizemos: é como se pousasse num terraço na Babilônia, num jardim suspenso que balançasse. Depois nos calamos por causa de 3 ou 4 estrelas. E mais. Há pessoas-estrada e pessoas-vereda. Aquelas me aborrecem. Aborreço-me no asfalto, ao longo dos marcos de quilometragem. Elas andam em direção a alguma coisa precisa: um lucro, uma ambição. Ao longo das veredas, em vez dos marcos de quilometragem há aveleiras. E vagueamos para quebrar com os dentes as avelãs. Estamos lá por estar lá, não em outro lugar. A civilização do telefone é intolerável. Uma caricatura de presença substitui a verdadeira presença. Passa-se de um a outro como se passa, num segundo, girando o botão do rádio, de um programa a outro. Não nos fechamos mais em nada, não mais estamos em parte alguma. Odeio essa humanidade solúvel. Onde estou, estou como para a eternidade. Tenho direito, no meu banco de vereda, a 5 minutos de eternidade! Mas você é insolúvel Por isso temos tempo na vereda, mesmo se apenas por um segundo, de você estar presente no bom-dia ou mesmo no adeus. Você só está apressada entre as coisas. Em seu íntimo você caminha no passo lento de um jardim. O verdadeiro passo...tão precioso isso! Mas, cuidado! mesmo achando-nos insolúveis, os imbecis são muito perigosos. Também as pessoas inteligentes, quando em grupo. Uma inteligência é um caminho. Cem caminhos ao mesmo tempo são uma praça pública. Isso desespera. Mas... estou parecendo um velho de barbas brancas que sacode a cabeça! É que estou cansado de correr. Só hoje compreendo um provérbio chinês: 3 coisas arruinam a ascensão do espírito: a viagem; 3 verdadeiros grandes homens, 3 analfabetos: um pastor, um pescador, um mendigo, é que nunca tinham saído de casa! e o que me disse o pobre Laval ao retornar dos Estados Unidos: "Estou contente por voltar, não estou no nível dos arranha-ceus, estou ao nível do asno!"

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