terça-feira, 26 de janeiro de 2010

TESTAMENTO DE HENRI BERGSON

Para os admiradores de nosso Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) e do filósofo Jacques Maritain e esposa (Raissa Maritain), todos bastante influenciados pelo ilustre filósofo francês HENRI BERGSON (1859-1941), aqui vai, extraído de uma carta da viúva de BERGSON, escrita em setembro de 1941 ao diretor da revista ESPRIT, o que a missivista declarou ("A ORDEM", dezembro de 1941):
"Meu marido, que há tempos dedicava sua atenção ao problema religioso, considerava o catolicismo com simpatia crescente, não quis, todavia, converter-se por diversas razões. Ele próprio se explicou com muita clareza numa passagem do seu TESTAMENTO, datado de 7 de fevereiro de 1937, que julgo dever comunicar:
" As minhas reflexões aproximaram-me cada vez mais do catolicismo, no qual vislumbro o perfeito remate do judaismo. Ter-me-ia convertido, se não houvesse assistido à pavorosa onda de antissemitismo que de alguns anos para cá se espalha pelo mundo. Quis permanecer entre aqueles que amanhã serão os perseguidos. Contudo espero que um sacerdote católico, se o cardeal-arcebispo de Paris o autorizar, queira vir recitar as orações em minhas exéquias. No caso de não ser concedida essa autorização, recorra-se a um rabino, sem no entanto esconder dele, ou de quem quer que seja, a MINHA ADESÃO MORAL AO CATOLICISMO e o desejo que exprimo de ter, de preferência, as orações de um padre católico".
Um sacerdote dominicano, amigo de BERGSON, declarou que "Bergson manifestou o desejo do batismo, tendo até nomeado o seu celebrante. Mas declarou querer esperar por "délicatesse" em razão dos acontecimentos. Ouvi isto do próprio padre que foi indicado e que foi chamado pela família, de acordo com o desejo do falecido, e que orou junto do caixão, sem que tenham sido realizadas as exéquias cristãs" (Nota a uma carta de Charles Journet a Maritain, em 23/07/1941, em "Journet Maritain, Correspondance", vol. III, 1940/1949), pág.175).

domingo, 24 de janeiro de 2010

UMA CONSIDERAÇÃO OPORTUNA

Paralelamente ao mistério da Santíssima Trindade, que todo se processa no interior de sua realidade, o cristianismo nos revela outro mistério, apelidado de "mistério da iniquidade". Diferentemente do primeiro, este não procede, não tem Deus como causa de sua existência, pois decorre da atividade da criatura. Sabe-se que esta, extraída do nada, das trevas, por um ato divino, foi enriquecida por Deus de certos dons pertencentes a duas ordens ou planos distintos: na ordem natural, Deus conferiu-lhe uma bondade e justiça interiores, constituindo-a num estado de santidade, pelo que passou a ocupar uma posição de relevo diante do Criador; na ordem ou plano sobrenatural Deus ademais, num extremo de amor, ornamentou sua criatura de dons especialíssimos pelos quais lhe confiou o dever de respeito e amor de natureza muito superior, fazendo-a participante da própria natureza divina. O "mistério da iniquidade", repito, não decorreu da vontade de Deus, mas, sim, da criatura que, extraída do nada, das trevas, pelo Criador, se ergueu contra Ele, não obedecendo ao que Ele prescreveu. Que é o pecado? De modo geral o pecado é uma ação de oposição à lei estabelecida por Deus, perturbadora da ordem por Ele prescrita. Mas acontece que o homem violou o preceito imposto por Deus não só na ordem sobrenatural, com o que perdeu a dignidade da filiação divina, de participante da própria divindade. E na ordem natural, ficou privado do dom da santidade ou justiça e bondade. Com relação a este dom da santidade, sendo integrante da ordem natural, o homem não o perdeu mas apenas o repeliu, pois lhe era impossível suprimi-lo. Em face do terremoto de Haiti, alguém imaginou tratar-se de um castigo de Deus. Outro perguntaria: "Donde vem o mal no mundo? "O livro do Gênesis, da Bíblia, ensina que tudo que Deus fez é bom e muito bom. Acontece que o homem se revoltou contra o Senhor, movido por um agente exterior. E assim foi que deste mal moral decorreram todas as desgraças físicas que o gênero humano conhece: catástrofes, inclemência da natureza, fadigas, doenças e morte. Tudo em consequência da perda pelo homem, na ordem sobrenatural, da dignidade de filho de Deus, e, na ordem natural, pela repulsa da santidade outorgada pelo Criador. Uma leitura dos primeiros capítulos do Gênesis será de bom tamanho!

sábado, 23 de janeiro de 2010

O SONO DA PAZ EM CASA

Acabo de reler em "DEGUSTAÇÃO", de Antônio Carlos Vilaça, umas poucas linhas que muito coincidem com a origem de um roxo pesar que carrego em saudoso silêncio. Não me conformo com minha ausência ao lado de minha mãe e, há um ano, de Léa Maria, mãe de meus dois filhos, quando o céu as acolheu. E eis que Villaça, escrevendo sobre a vida e morte de Walmir Ayala, vem de me traduzir o vazio, o vácuo que até hoje me acompanha, pela minha inexistente despedida daquelas duas presenças-ausentes, com as palavras que aqui ficam: "Ayala sentiu-se mal na rua. Seffrin convocou o médico. E este o transportou para um hospital. Preferível que o tivessem levado para casa, para que morresse em paz,na sua cama, no seu quarto perto do cachorro fiel, na intimidade dos rostos conhecidos, junto a mãos fraternas, mil vezes tocadas. A ouvir a sua música preferida, talvez um Vivaldi que Alceu amava, ou um Beethoven. Longe daquela incômoda parafernália de uma técnica superavançada e fria. O calor gostoso da casa não há nada neste mundo que possa de fato substituí-lo, aqui e agora, estar à vontade, no seu canto, seguro de si, no conforto leve das coisas repetidas. Nunca morrer entre mãos anônimas, desconhecidas, sob sedativos discutíveis, obscuros e vagos, de um hospital qualquer, mais empresa que casa humana, à exata medida do homem. Outrora se morria em casa. Hoje se morre no CTI, entre desconhecidos, nome ou número numa ficha mais ou menos imprecisa, impessoal". Além, se se tratar de pessoa religiosa, de poder contar com os auxílios da fé que professava. Conforta-me, contudo, a certeza, que me dá a fé, da presença de minha mãe e de minha esposa, e de inumeráveis outros seres humanos queridos, junto ao trono celeste, torcendo pela "nossa" chegada ("nossa"= generalização na ilusão de poder eu assim encobrir uma presunção!).

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

POR QUEM DOBRAM OS SINOS?

19/01/10: no centro de Porto Príncipe policiais mataram com um tiro na cabeça uma adolescente de 15 anos no telhado de uma loja da qual levava quadros espelhados; outros saqueadores passavam pelo corpo dela como se nada tivesse acontecido; testemunhas contaram que moradores chegaram a procurar moedas nos bolsos da roupa da jovem morta!
21/01/10: ex- marido em Minas mata mulher com 7 tiros dentro de um salão de beleza; tudo filmado!
Com que finalidade nossos canais televisivos põem no vídeo espetáculos dessa natureza, como se já não bastassem, no caso de Haiti, os sofrimentos muitos de tantos seres humanos, filhos de Deus como nós, ceifados uns pela morte, outros mais numerosos vitimados pelos desastres causados pela natureza dasalmada? São cenas chocantes, impressionantes, portadoras de mensagens nenhumas positivas, quer de natureza visual ou de natureza moral ou ética. Ao contrário, cenas capazes por si mesmas de inocularem nas consciências ainda em vias de formação ideias destruidoras das naturais inclinações de bondade, de retidão de caráter, muitas vezes em flagrante oposição ao que os responsáveis pela sua formação lhes vão pouco a pouco, por palavras e exemplos, apresentando, enquanto paralelamente e paulatinamente se lhes vão despertando os instintos positivos, dons divinos transmitidos pelos seus genitores.
Liberdade de expressão estaria acima, sobrepujaria o sentimento humano da solidariedade? Ou esta qualidade, ou virtude, ou seja lá o nome que se lhe queira dar, não terá mais em nossos dias o direito que nasce com o ser humano de presidir a todo e qualquer tipo de atividade que nos incumba exercer face aos nossos semelhantes, detentores dos mesmos direitos de que somos dotados? A solidariedade ou o espírito de solidariedade é violado toda vez que em nossas atitudes e atividades garroteamos e atiramos às baratas aquele princípio por nós tão frequentemente citado e apoiado mas tão frequentemente alvo da sola de nossos sapatos: "Homo sum! humani nihil a me alienum puto!" Sou humano, um ser racional, feito à imagem e semelhança divina, por isto mesmo tudo que diz respeito ao ser humano, seja ele de que raça for, deve me interessar responsavelmente!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

ECONOMIA NO CURRÍCULO ESCOLAR

Noticiou hoje a imprensa que o governo vai introduzir no currículo escolar mais uma disciplina, desta vez destinada a instruir nossos adolescentes sobre princípios básicos de ECONOMIA. A iniciativa merece elogios, embora chegue com bastante atraso, como me cumpre provar. Existiu em Belo Horizonte nas décadas de trinta e quarenta do século passado um movimento histórico em prol da educação, encabeçado por uma meia dúzia de conhecidos professores das Alterosas, preocupados com a formação, tanto quanto possível integral, prática, da infância estudantil mineira. Três nomes me vêm à mente: Gustavo Capanema, Helena Antipoff, "russa de nascimento, mineira de eleição", e Vicente de Paulo Guimarães. Interessa-me, no caso, este nome, ou melhor, o pseudônimo com que ficou sendo conhecido e adorado pela infância mineira daquelas décadas: "VOVÔ FELÍCIO! Numa das primeiras aparições minhas nesta tribuna da internet falei do livro que ele escrevera no ano de 1938, intitulado "O PEQUENO PEDESTRE". Que o saiba, nunca mais se publicou entre nós um manual como este. Sua finalidade foi ensinar à criançada pequena e grande também a maneira de agir, de transitar pelas ruas de nossas cidades que, deixando de engatinharem, necessitavam já de normas práticas com vistas à segurança dos seres humanos, sobretudo de menor idade. O idolatrado e adotado vovô dos mineirinhos da época recebeu então do sobrinho JOÃO GUIMARÃES ROSA o seguinte elogio: " O PEQUENO PEDESTRE" ficou excelente: é uma das melhores coisas que você tem produzido; e permite que a gente espere ainda grandes realizações suas, no campo imenso da literatura infantil ilustrada". Assim incensado, Vovô Felício investiu em outro campo, o da economia, o das finanças, o da poupança. E publicou "TRANQUILIDADE", "pequeno livro ensinando às crianças o valor da economia", "editado pela Caixa Econômica de Minas Gerais para distribuição gratuita nas escolas primárias". E novamente veio o abraço do sobrinho: "Gostei. Gostei mesmo - sem intuito de lisonja o digo - muito: está bem feito, interessante em todas as suas peças; preencherá brilhantemente as suas finalidades". Assim sendo, a matéria da nova disciplina que se promete - "quae sera tamen" - não terá a marca da novidade, pois muito em breve, ainda que sem o carimbo da oficialidade como integrante do currículo escolar, completará oitenta anos de nascimento, de existência nas ditosas mãos infantis da geração a que pertenci.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CRÔNICAS DE CONY E DE CANTANHÊDE

Duas colocações na Folha de São Paulo, de 19/01/10, pg. A2: A DERROTA DA VITÓRIA: "Jorge escrevera que a ONU gasta meio bilhão de dólares/ano para fazer do Haiti um teste de guerra. E cita um comandante brasileiro que admite que as tropas brasileiras estão ali com um só propósito: controlar a criminalidade germinada na miséria para depois transplantar a expertise para as favelas cariocas. O Haiti é um "laboratório" (Eliane CaNtanhêde). Só com esta finalidade? E: "DEUS E OS HOMENS": "Mas as picuinhas, as vaidades e, sobretudo, a truculência na distribuição de reforços e no policiamento de uma sociedade sem a estrutura de um Estado estão sendo obra dos homens "(Carlos Heitor Cony). Quanto à primeira colocação, de natureza egoística, anticristã, a meu ver chocante, reflete apenas uma mentalidade imperialista, individualista, oportunisticamente destituída de genuína solidariedade humana, lembrando um pouco, "mutatis mutandis", o procedimento não muito antigo de nações hoje "soi-disants" de primeiro mundo à custa da exploração de colônias que, como Haiti, se veem atualmente em deplorável situação. Com relação às declarações de Cony, segunda colocação, os mal-entendidos ou mesquinharias por ele referidas são mais uma prova do agir desumano e politiqueiro de quem julga estar ajudando um povo sofredor. Como a vaidade, o ciúme, a politicagem corroem as boas intenções! Acabo de ouvir Lula declarar na inauguração de uma obra na cidade mineira de Jenipapo, o que bem define a atitude dos que correram a minorar as dores do povo sofrido de Haiti, que, enquanto dois caciques da política ficam brigando, o pobre povo come o pão que o diabo amassou. Ainda nessa crônica: Cony lembra que Voltaire perdeu a fé na existência de Deus por ter Ele consentido na tragédia do terremoto de Lisboa em 1755. Cony, deixe-me aqui e agora confessar-te uma inconfidência partida de alguém que, como tu, e tendo um pouquíssimo menos de tua idade, passou a adolescência e mocidade entre as quatro muralhas físicas e morais de um seminário menor e maior, de alguém, repito, leitor assíduo de tuas crônicas e já de alguns de teus livros, que teima em não acreditar em afirmações tuas ou insinuações de que não crês em Deus. Ou ando equivocado? Mas me parece que pela crônica de hoje (19/01/10), face ao que se contém no primeiro parágrafo, apelo por Camões para te dizer que "cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta". Terminando: não nos esqueçamos do verso de Terêncio, poeta cômico latino (194-159 antes de Cristo): "Homo sum: humani nihil a me alienum puto", isto é: nada daquilo que é humano me é estranho. Um brinde à solidariedade humana!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

PADRE SALUSTIANO = PADRE BOAVIDA

"O artista nem sempre contempla emocionado a obra que acaba de realizar. O tempo que leva na execução a vai vulgarizando aos seus olhos e quando a termina já não é mais a criação idealizada pelo cérebro excitado. Isto não aconteceu, porém, com a obra de arte que o padre Salustiano inaugurava aquela noite no CARAÇA. A conclusão do ÓRGÀO da igreja, executado peça por peça por suas próprias mãos o comovera até o fundo da alma. A vida de um quadro, de uma estátua está na sua contemplação; a do instrumento de música, na harmonia dos sons que desfere. Se a tela é contemplada pelo artista durante a execução, os acordes do instrumento ele só os ouve depois deste concluído. E quase nunca o artista da forma o é também do som. Em Padre Salustiano, porém, estas qualidades estavam reunidas na mais alta expressão. Ao ouvir pela primeira vez, enchendo a nave da igreja, as notas do órgão que construíra com seu engenho, durante anos a fio, o músico se enterneceu até às lágrimas. Foi ainda presa desta emoção, com as mãos do lado direito, sentindo aí pulsar forte o grande e generoso CORAÇÃO, que as crônicas da época rezam terem sido DOIS dentro de um só peito, que ESPERIDIÃO e Juvêncio o encontraram na sala, sentado na cadeira de Padre SUPERIOR do colégio. Padre Salustiano olhava mas não via os dois recém-chegados que estavam na sua frente. Despertado dos devaneios, endireitou na cadeira o busto de homem de quase dois metros de altura. Descansou os olhos na fisionomia de ESPERIDIÃO e disse: "Continuam a nos mandar joio". "Pode ser transformado em planta boa, desde que o senhor endureça o coração e deixe falar a :santa-luzia", disse o Padre Alberto que lhe apresentou os dois novatos. E finalmente o Padre Salustiano: "Por causa mesmo dessa fama que se espalhou por toda parte é que isto está acontecendo com o colégio!"( Do livro "ESPERIDIÃO", escrito por BENEDITO VALLADARES, ex-governador de Minas Gerais; Padre Salustiano é o Padre LUIZ GONZAGA BOAVIDA, CONSTRUTOR DO ÓRGÃO DA IGREJA DO CARAÇA NO FIM DO SÉCULO XIX).

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

INDIGNATIO FACIT VERSUS

Pátria, outrora feliz, honesta e digna,
Seio da Paz, concórdia e probidade,
Que fizeram de tua felicidade
As hordas da emboscada Novembrina?

A cobiça roaz, traição felina,
A obra consumou da iniquidade,
Escancarando - atroz rapacidade! -
O pátrio erário à corja vulturina.

De ouro e sangue a ralé insaciável
As entranhas devora inexorável,
Da mãe pátria sem dó, sem compaixão!

Empobrecida, desprezada e mesta,
Ludíbrio de outros povos, só te resta,
Pátria, ao mundo bradar: "PEGA LADRÃO!"


Autor: José Joaquim Correia de Almeida (1820-1905). Poeta barbacenense dedicado à sátira. Músico, escritor e professor de latim. Com o advento da República, criticou bastante os republicanos e positivistas. Seus amigos e apreciadores: Padre José Maria Xavier, Belmiro Braga, Olavo Bilac, Antonio Feliciano de Castilho, Carlos Drumond de Andrade, Augusto de Lima, entre outros. O poema acima traz a data de 10/12/1899. Trecho da carta de Castilho ao Padre Correia de Almeida, datada de 24/12/1869: "...Concluo, pois, rogando-lhe continue a dar-nos como remédio, ao menos como lenitivo e consolo da peste grande que hoje lavra na poesia e até na prosa, mais exemplos como este de vernaculidade, de exação de estilo, de metrificação acurada e de rima, sobre escolhida e não vulgar, opulentíssima". A.F.de Castilho.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

TWITTER = GORJEIO

Pela idade ou pelo desinteresse ou pela preguica ou pelo comodismo ou pela soma de tudo isso, certo é que a velocidade com que umas após outras vão se sucedendo tantas novidades no campo generoso das ciências eletrônicas não me permite, sequer de longe, inteirar-me das prodigiosas descobertas aí realizadas. Depois de ouvir tantas vezes a palavra TWITTER, o dicionário me confidenciou que TWITTER = v. chilrear, trinar, gorjear, chiar; s. gorjeio, agitação, inquietação. Época mais apropriada não poderia existir para eu recordar um pouco do que aprendera nas aulas de português, no estudo das onomatopeias. Houaiss: ONOMATOPEIA; formação de uma palavra a partir da reprodução aproximada de um som natural a ela associado; onomatopoese. E mais: aprendizado por mim adquirido na época mais sugestiva do ano, quando mal clareia o dia os sabiás povoam com seus melancólicos TWITTER ou gorjeios as florestas de Petrópolis e as ruas de nosso bairro de Botafogo. O que, contudo, mais me chamou a atenção e sobretudo me encantou foi sentir no canto do sabiá a reprodução ou emissão dos sons da palavra inglesa TWITTER. Ou eu estou me enganando? Creio que todo canto de qualquer pássaro é um gorjeio, mas o gorjeio do SABIÁ LARANJEIRA, é o gorjeio por antonomásia do SABIÁ, AVE NACIONAL DO BRASIL ( turdus rufiventris). E é bom recordar que em 1968, através do Decreto n. 63.234, o DIA DA AVE que já tinha sido implantado no Estado de São Paulo, em 1965, tendo como ave-símbolo o SABIÁ LARANJEIRA, foi estendido a todo o país, sendo o dia 5 de outubro escolhido para sua comemoração. " Todo ano nesse dia distribuíam-se diplomas com a ilustração do majestoso pássaro, assinados por autoridades políticas e personalidades conhecidas do grande público. O Rei-Pelé e até mesmo o primeiro homem a pisar na lua, o norte-americano Neil Armstrong autografaram esses diplomas" ("Aves Brasileiras"e plantas que as atraem, Johan Dalgas Frisch e Christian Dalgas Frisch). Anos depois surgiu um debate: uma corrente defendia o sabiá-laranjeira como ave-símbolo do Brasil e outra defendia a ararajuba (Aratinga guarouba), lindíssima espécie que tem as cores verde e amarela da bandeira do Brasil. Promovida uma enquete, a vitória do SABIÁ-LARANJEIRA foi incontestável: 91,7%. Por decisão do Presidente da República, Fernando Enrique Cardoso, no dia 3 de outubro de 2003 estabeleceu-se que o "sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) era o símbolo representativo da fauna ornitológica brasileira e considerada popularmente Ave Nacional do Brasil". "MINHA TERRA TEM PALMEIRAS, ONDE CANTA O SABIÁ; AS AVES QUE AQUI GORJEIAM NÀO GORJEIAM COMO Lá" ( Gonçalves Dias).

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"BELÔ" na visão de GUSTAVO CORÇÃO

Depois de uma visita a BELO HORIZONTE, no ano de 1949, o escritor católico GUSTAVO CORÇÃO escreveu carinhosa mensagem aos amigos da capital mineira que "tão cordialmente ali o haviam acolhido". Leiam, mineiros, alguns destaques do hino de simpatia com que há 60 anos o autor de "TRÊS ALQUEIRES E UMA VACA" pintou a paisagem moral e espiritual da "CURRAL DEL REI" de vocês:
"O que eu vi em Belo Horizonte foi uma cidade vagamente aprazível, servindo de fundo mal entrevisto ao incomparável espetáculo da amizade. O que eu vi foi uma sucessão de rostos amigos, um aniversário muito caseiro em que de repente me achei sem saber como lá chegara. Uma menina de 15 anos que tirou um retrato comigo. Um governador de Estado de carne e osso com quem a gente pode conversar e um diretor de jornal que me leva para rezar numa capela dentro do dito jornal. Eu tinha a esquisita impressão de estar vendo como em sonho o lado bom do mundo do homem. Existiria alguma coisa real que as circunstâncias favoráveis me permitiam apreender. Talvez uma tradição mais guardada, talvez um cristianismo mais vivido. Tornar-me-ei mais claro se lhes comunicar uma ideia que só agora me acudiu. O que eu sentia entre vocês era qualquer coisa que me lembrava o MOSTEIRO DE SÃO BENTO do Rio. Como se o adro do Mosteiro se tivesse alastrado e invadido as ruas de uma cidade nova e bonita; ou como se o movimento das ruas fosse um burburinho de fim de missa. Aqui no Mosteiro costumam vir os turistas que mais admiram os lavores na pedra do que esses outros lavores mais finos que a Santa Regra traça na fisionomia acolhedora dos monges. Mas a mim não era a pedra do Mosteiro que eu encontrava em Belo Horizonte. Eram as FISIONOMIAS. Ou eu me engano muito ou VOCÊS TÊM ALGUMA COISA DE BENEDITINO: a estabilidade no trabalho, a "discretio" na reserva, mistura de malícia e simplicidade, a obediência que se manifesta num fino senso político, e finalmente essa SIMPÁTICA HOSPITALIDADE que poupa aos visitantes a estafante obrigação de admirar as obras da municipalidade - tudo isto que agora pondero, rememorando minha breve passagem em Belo Horizonte, traz-me a lembrança de anos atrás quando pela primeira vez subi a ladeira de SÃO BENTO no Rio. E essa impressão se torna mais forte quando penso nas moças que Belo Horizonte entregou à CLAUSURA BENEDITINA; e se torna fortíssima quando penso que essas mesmas moças estão de volta ou melhor, que a própria clausura beneditina está de volta, com suas pedras, com suas grades, com suas moças - como uma montanha que por favor de Deus se deslocasse sem perder sua estabilidade fundamental para devolver à boa gente mineira o fruto amadurecido de sua generosidade. Eu penso que esse priorado que se instala em Belo Horizonte (MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, fundado em Belo Horizonte no ano de 1949) vai explicar melhor - na minha próxima visita - o mistério de Belo Horizonte. Vocês serão para mim mais do que nunca BENEDITINOS, e, portanto, ainda mais mineiros!" (transcrição de "O Diario"de Belo Horizonte).

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

COMANDANTE CORIOLANO LUIZ TENAN

Se vivo, estaria completando hoje, 04/01/10, 106 anos o Comandante da "Panair do Brasil", CORIOLANO LUIZ TENAN, nascido em Petrópolis a 04/01/1904, falecido em 01/04/1998 e sepultado no cemitério de sua terra natal na Quadra 8, Direito, S.P. 36.659. Com emoção fui ontem ali visitar-lhe o mausoléu, aqui deixando a razão desta minha iniciativa, originária de fatos que com mais pormenores consignei no opúsculo "ANTES QUE ANOITEÇA". Numa tarde do ano de 1945 o superior do Caraça, Padre Antônio da Cruz, comunicou-nos que estava subindo a serra a cavalo um ex-aluno fluminense, aviador da "Panair do Brasil", detentor então do mais elevado número de horas de voo da empresa. O propósito dele era galgar a serra do Caraça a pé, assim prometera a Nossa Senhora Mãe dos Homens, caso a filha se curasse. Depois de tê-la submetido a diversas consultas pelo mundo afora, sem resultados, aconteceu-lhes deixarem um dia no Rio um especialista, quando Tenan avistou num letreiro o anúncio da "EMULSÃO DE SCOT". Lembrou-se, no momento, do seu Caraça e prometeu a Nossa Senhora Mãe dos Homens, padroeira daquela casa onde estudara por quatro longos anos, escalar a pé os 20 quilômetros da serra e acender uma vela à MÃE DE DEUS, se com o recurso daquele medicamento anunciado no alto de um prédio, sua filha se curasse. Do uso das pernas, porém, o Padre Cruz o dispensou, enviando-lhe um cavalo que ao longo dos ziguezagues bastante lhe deve ter feito recordar o conforto das longas viagens transcontinentais por tantos anos realizadas. Com uma milagrosa vantagem, porém, sobre estas: a filha havia se libertado da inquietante moléstia ! Aluno então do Caraça, passei a nutrir profunda e indelével admiração pelo Comandante Tenan. Só, porém, depois de meio século, residindo já eu no Rio, entrei em contato com ele por telefone algumas vezes. Muito emotivo, dizia-me que não deveria ter deixado o Caraça, que teria sido um padre muito útil à Igreja, etc. Prometi vê-lo em casa onde me reservava livros de sua autoria. No ano de seu falecimento, no dia de seu aniversário, fui a Tijuca abraçá-lo. Acovardado, já na portaria do prédio, receando vítimas nós dois de possível e mútua emoção, ele choroso por ter sido moralmente forçado a sair do Caraça, como se lê no livro "Xavier e o Caraça", e eu aliviado por me haver libertado das obrigações sacerdotais, busquei o caminho da volta. De quantos caminhos de volta nossa vida e o mundo perderam a conta!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A explosão de fogos na terra, no ar e no mar desta noite de virada do ano me deu a ideia de transcrever aqui uma página do livro "TERRA DESUMANA" de Assis Chateaubriand sobre Artur Bernardes, presidente do Brasil de 1922 a 1926. Ei-la: "Decidi fazer um rápido transunto das causas do insucesso da missão divina do Dr. Bernardes, desde que atingiu o palácio do Catete. O Dr. Bernardes não tolera o Rio de Janeiro. Ele não compreende o estado de espírito de uma grande cidade cosmopolita situada à beira-mar e, portanto, com uma receptividade ao progresso, desconhecida das populações montanhesas. Antes mesmo de chegar ao poder, já vem com a consciência em conflito aberto com o Rio, que em carta a um senador em 1921 declarou não poder continuar como sede do governo federal. Essa procissão de caracteres gozando a natureza que é o Rio; esse espetáculo desse filho dileto da volúpia e da embriaguez dionisíaca que é o carioca; essa imaginação ardente que faz da nossa cidade uma deliciosa indisciplina incorrigível, não poderiam deixar de levar o desespero à alma de um cidadão conventual, saturado de prejuízos, como o Dr. Bernardes. Que haverá de mais legítimo que um monge cuja alma se nutre de preconceitos despreze almas deles libertas? O carioca é aos olhos beatos do presidente um sátiro que anda por estas praias úmidas, verdadeiros ninhos de beijos, a ofender a moral com a impudência da sua nudez pecaminosa; é um malandrim que vive a desacreditar o prestígio da autoridade, votando em cidadãos que não são recomendáveis pela sua obediência aos poderes temporais constituídos". E por aí vai o jornalista e imortal Assis Chateaubriand no livro TERRA DESUMANA - A vocação revolucionária do presidente Arthur Bernardes - officinas de "O Jornal", Rio, 1926. Iniciando esse livro, assim escreve: Ö quadriênio de 1922 a 1926! Que ímpeto de for;ca natural não relembra este período tumultuoso! Que passagem de nordeste árido e cruel e que pedaço de terra desumana não nos faz recordar!"