sexta-feira, 17 de maio de 2013

"OBRA  INACABADA"   DE   DRUMOND

Intriga-me o artigo de Carlos Drumond de Andrade, publicado no Jornal do Brasil de 17/o8/1987, "OBRA  INACABADA". Diz Drumond que contempla os originais do livro começado por admirável escritor e que jamais será concluído. O autor escreve à máquina e à mão, ilustrando o escrito por meio de colagens ou fotos de obras de arte, lugares,  coisas variadas, dando a impressão de que  a ilustração precedia a escrita ou de que talvez essa ilustração fosse a propria fonte do trabalho literário. Exprime-se o autor em prosa, em verso, em desenho e pintura. Seria um meio de impressionar futuros leitores desses originais guardados em vida com recato? Parece que não, pois determinado a legar pronto e duradouro o vasto painel do seu tempo, pouco lhe importava deixar esse testemunho particular de sua capacidade criadora, tanto mais que os volumes da obra cíclica iam-se publicando sem o apoio dessa documentação plástica mantida em segredo,  produzida durante anos e anos só às noites de vigília ou de insônia. Os capítulos, fartos e desbordantes, compunham-se de  períodos fechados e rítmicos, à maneira ou antes ao espírito musical do seu mestre Proust, concebidos e executados como um imenso vitral em que a vida brasileira e a individual apareciam tão interligadas que criticamente não era possível estabalecer onde começava esta e acabava aquela. Não se sabe de estilo mais seguro que o seu. Os riscos sobre palavras suprimidas não se espalhavam a esmo. As correções se combinam com os sinais datilográficos numa espécie de pauta musical. Arte de corrigir, simultânea à arte de compor em letra e traço, dando origem a uma pequena  obra de arte à sombra de outra grande obra de arte. Soltas as páginas e retiradas da pasta, sobre esta meus olhos se detêm agora.  Escrito em letras grandes, o nome de um amigo já falecido tem a força de inscrição lapidar trazendo de volta o passado. Depois da data, uma interrogação que assume agora uma gravidade comovedora. Do seu próprio punho, com a letra grande que o  distinguia: "TERMINAREI  ESTE  LIVRO?" Por que a pergunta inesperada?  A frase dubitativa e a data, sete dias antes do seu fim?  Não sei de resposta para esse instante de incerteza. Sei que os originais da OBRA INACABADA me perturbam como a colunata partida de um templo que ninguém mais poderá ou saberá levar ao limite do acabamento! Obs.: peço humildemente vênia ao nosso máximo poeta e escritor mineiro DRUMOND pelo péssimo resumo da crônica sua A  OBRA  INACABADA publicada pelo JB no dia  27/09/1984.


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