segunda-feira, 17 de junho de 2013

ABIGAIL  -   ALCEU  AMOROSO   LIMA

Este blog é a segunda parte do artigo de TRISTÃO que está no blog anterior: "Saí à procura de um túmulo. Revirei os arquivos da seção de cemitérios na municipalidade de PAU. Em vão.  Fui afinal ao próprio cemitério e o guarda, ó milagre, ó confirmação  da nossa confiança na consciência dos homens de trabalho, em França, o guarda do cemitério sabia de cor, mais ou menos,  onde estava "la brésiliene" ou antes "les brésiliens". Pois quando a jovem Letícia Rondon Berardinelli, que ia conosco e tinha a resistência e o faro das "bandeirantes", deu com o túmulo, vimos que uma delicadeza tocante e anônima colocara lado a lado os dois únicos brasileiros daquele cemitério - únicos, assim o penso pelo menos - o cônsul Vítor Pontes e Abigail Amoroso Lima. Era como se aqueles dois punhados de cinzas se houvessem aproximado, na morte, para tornar menos solitária a sua solidão no meio de tantos estranhos. Um nome, numa lápide branca e perdida no remoto cemitério de PAU, entre milhares de desconhecidos, eis o que resta na terra daquela que na Rua Passos Manuel e nas Laranjeiras, fora a primeira  e a  mais bela esperença de um jovem casal de 1886. Um pouco de minha infância ficava ali, naquele pequenino ramo de violetas que poucos dias depois já não seria nada de novo na fria lousa de um cemitério de exílio, no nome que nada diz a nenhum visitante daquelas paragens e desaparecerá totalmente da memória de todos os homens, quando os seus companheiros de infância tiverem todos seguido o mesmo destino da menina de cachos louros que recitava versos na infância e para quem a vida foi por mais de meio século mais obscuro dos poemas.  Esta volta à França ficará ligada para mim a essa evocação de uma sombra que passou por nossa vida, sem pesar nada sobre a terra, mas fazendo sangrar prematuramente ao menos dois corações amargurados. Deixo seu nome à testa deste capítulo, como deixei as violetas sobre a pedra do seu túmulo. "Nem tudo passa  sobre a terra", murmurava melancolicamente José de Alencar no fecho do seu poema imortal. Quando, de manhã, fomos a Lourdes, o peso de uma saudade revivida pelas evocações tornava mais leves as nossas almas, pois o que pesa em tristeza para as coisas da terra, torna mais leves os nossos movimentos para Deus. E a gruta de Lourdes, a gruta nua de pedra, tal como Bernadete a vira nos dias em que a Virgem lhe apareceu, foi para mim um apelo ainda mais tocante, porque levava comigo a imagem rediviva de uma criança que morrera, quase aos 60 anos, tão pura e tão criança como viera ao mundo.  Naquele momento enfim compreendi o doloroso mistério da vida de ABIGAIL".

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