segunda-feira, 17 de junho de 2013

ABIGAIL - ALCEU  AMOROSO  LIMA

Dou início à transcrição de página do livro "Europa  de  Hoje" escrito  por Tristão de Athayde. Vale a pena conhecê-la.  Visitando a França em 1950, Tristão foi  à cidade de PAU visitar o túmulo de sua irmã mais velha, ABIGAIL. "PAU" tem para mim um espinho. Lá fui levar flores ao túmulo de uma irmã. No sanatório de S.Lucas, tomei com mãos  trêmulas da velha folha onde em 1912 meu pai fizera as declarações necessárias para ali internar nossa irmã mais velha. Viéramos juntos, então,  no trem até Bayonne. Ali ele desceu com minha irmã mocinha e uma empregada. Foi a última vez que a vi. Fora uma menina linda. Machado de Assis fizera versos para ela recitar, pois gostava de brincar com ela, na grade de nossa casa.  Seus cachos louros encantavam o velho viúvo, melancólico.  Fora linda e inteligente.  Tão inteligente que alguma corda se partiu muito cedo naquela menina que fora o encanto primeiro de um lar feliz.  Por 30 anos aquele parque  onde eu agora passeava sozinho fora a paisagem única de minha pobre irmã. As cartas, a princípio lúcidas e saudosas, aos poucos se envolveram na sombra ofeliana. E agora o que me restava dessa loura companheira de minha infância, ali estava reduzido  a um papel amarelecido onde em 1912 meu Pai, como se fora outro,  deixara o retrato psicológico de sua filha mal-aventurada. Fui seguindo, folha a folha do trágico "dossier", a monotonia da vida cotidiana e a luta impotente da ciência contra as sombras do crepúsculo interior. A noite não baixou de todo senão 30 anos mais tarde. A noite, não, o dia.  Pois noite foi a sua triste vida, sozinha longe de nós, evocada sempre em nossa casa, como uma sombra que nem a vida nem a morte haviam desejado para si,  e povoava sempre a nossa mesa de jantar com uma presença misteriosa.  Tudo aquilo, 30 anos de ausência, entre o dia e a noite, e mais 20 anos, antes disso,  na luta terrível, entre a luz e as trevas,  tudo aquilo ali estava naquelas folhas amarelecidas, entre alguns funcionários de bata azul, totalmente indiferentes, um dos quais me olhou irritado quando lhe pedi para guardar aquela pasta cinzenta, onde estava  registrado o mais obscuro dos dramas de uma vida malograda. Saí de mãos abanando, à procura de um túmulo. Tantos dramas semelhantes havia naquela casa sombria, que ninguém podia dar muita atenção ao que, de tão perto,  me tocava.  Fui passando os lhos pelos quartos, as mãos pelas árvores, como que a reter alguma coisa do que fora a sua vida, depois que nos deixara, naquela triste manhã de dezembro de 1912, até que 31 anos depois... Passei 2 anos sem saber de sua morte. Quando soube, vagamente,  fui ao Itamarati procurar o ministro das Relações Exteriores que naquele momento era o embaixador Leão Veloso Neto. "ABIGAIL? Ora, se me lembro. Foi minha companheira de banco  no Colégio Kopke. Que garota inteligente e viva!" me foi dizendo Leão Veloso. Dos 2 companheiros de banco no colégio da infância, um era agora ministro de Estado, fora embaixador e representante do Brasil na ONU. A outra  foi viver 30 anos entre os plâtanos de um parque imenso, onde outras sombras como ela passeavam os seus sonhos misteriosos. Viveu e morreu sem que ninguém, fora de nossa casa, lhe ouvisse mais o nome. O salão onde trabalhou e morreu Rio Branco agora o ouvia  pela primeira vez. E em PAU, deixado atrás de mim,   envolto no meio-dia luminoso, o parque onde as sombras vagueiam a toda hora -  senti que o último elo se quebrava de uma vida tão perfeitamente obscura com o que fora o mundo efêmero de sua infância no Cosme Velho ou na Westphalia (Petrópolis)". Aguarde o restante na próxima postagem.

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