segunda-feira, 8 de abril de 2013

PAPINI PERDIDO NUMA NOITE DE ESTRELAS

"Ó adormecidos, o que é o SONO? Nunca lhe aconteceu passar, à noite,  pelas ruas de uma cidade, com a alma desejosa de amor, e presente a você mesmo,  numa comovida lucidez?  Por aquelas ruas apenas iluminadas por um pouco de lua ou de lâmpadas, através de barreiras e obliquidades de sombras; por aquelas ruas compridas, eternas, retas, onde você só encontra gatos a remexer nos montes,  e apenas ouve o tocar de um relógio que continua marcando, naqueles vazio silêncio,  a igualdade das horas?  Entre aquelas duas filas infinitas de casas altas, pretas, mudas, fechadas, muradas, não provou piedade ou desgosto por todos aqueles corpos deitados lá dentro, um sobre o outro,  um perto do outro,  de andar em andar, de quarto em quarto,  como mortos em um cemitério em camadas e gavetas?  Milhares de abandonados, de imóveis, de trancados por muralhas  e janelas, milhares e milhares  de corpos que respiram  na escuridão dos quartos e da inconsciência, deitados de costas como animais cansados, agachados como animais medrosos,  encolhidos como animais friorenttos.  Você não provou como eu  nesses trajetos de paixão andarilha um misto de repugnância e de melancolia?  E não teve uma vontade repentina de gritar, de cantar  a plenos pulmões, de acordar, a fim de gozarem  as últimas horas  os condenados a um sono muito mais longo? Olhe, antes, as estrelas:  as estrelas são maravilhosas.  As estrelas dizem a  quem sabe lê-las uma palavra mais certa do que os pedantes e do que os vendedores de vaidade.  O montinho de lodo  extinto sobre o qual  pisa nada mais é do que um grão de estrelas em um precipício sem margens.  Não se deixe inchar ao sopro da soberba, não pense que é um deus patrão, um rei terrestre;  confesse que não é cridor, sim criatura.  As nossas filosofias são como a erva dos tetos que seca antes de florescer  -  sentenças de cinza e razões de vento.  Estamos sozinhos à beira do infinito: por que haveremos de recusar a mão de um pai? Somos levados, nós efêmeros,  pelo hálito da eternidade:  por que haveremos de recusar um amparo,  nem que seja com a condicão de sermos a ele cravados com os pregos de uma cruz campestre?" ("PAPINI MEU ENCONTRO  COM  DEUS", pp. 37).

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