sábado, 6 de abril de 2013
O DEUS DOS ATEUS - 3
As confissões, as contradições, o contínuo recorrer ao impensável ou ao prodígio barato e contínuo, são as pedras que os próprios inimigos põem com suas mãos para levantar bastiões e barbacãs que serviram a defender a nossa velha cidade contra eles. Os ateus, de qualquer estirpe e escola, são os mais galhardos e fieis auxiliares dos teólogos. Todas as estradas que escavam com impaciência, atormentados pelo medo de Deus, levam todos ao absurdo, ao niilismo do pensamento, à morte da alma. Quem o segue e vê não tem outra escolha a não ser entre o nada e a volta. Muitos, não hábeis em reconhecer o nada e a morte sob os trapos franjados das palavras, brincam à beira dos abismos e arriscam-se até a dançar - baile de espectros bêbedos de ventosidades doutas; os outros, os que têm olhos e vêem, que têm ouvidos e ouvem, voltam para o único abrigo, para a Porta Estreita: estreita abertura que dá acesso a uma divina cidade de viventes, de verdades viventes e eternas. Por isso devemos grandíssima gratidão aos ATEUS: são os Ilotas da Jerusalém Cristã. E de que maneira manifestar melhor a nossa gratidão senão chamá-los à verdadeira pátria da qual, embora desertores e fugitivos, são cidadãos? Tornando-os conhecedores da certeza sobrenatural que está envolvida em seus "não"? Livrando-os do medo que faz com que os pobres olhos transtornados se enganem, vendo uma sombra naquele que os persegue por amor? Por que não tenho eu dessas palavras fulgurantes que são por si mesmas ultrapoderosos eencantamentos? Há outra língua além dessa, muito terrosa ainda, para formar cantos que ligam, que chamam, que dissolvem as durezas dos corações, as relutâncias dos intelectuais? A língua que devia falar Adão no Paraíso, impregnada de luz e de odores, que pode exprimir apenas verdade, amor, adoração; com palavras válidas para a terra e para o céu misturadas de céu e de terra, que volteiam as almas e dão asas, movimentos, respiro a quem as ouve e o transportam ao Paraíso em uma firme iluminação de esperança e de concórdia. Mas Deus, que já me prodigalizou por demais, não me insuflou o gênio com o seu respiro, e as línguas dos terrestres, que se ressentem, como toda obra humana, do enfraquecimento da primeira terra, são apenas engastes de chumbo para diamantes sonhados. Só tenho areia nas mãos: passo-a entre os dedos ao sol e parece brilhar. Menos, porém, do que as lágrimas que ninguém viu!" (fim do cap. xxxii do "PAPINI MEU ENCONTRO COM DEUS").
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