terça-feira, 1 de abril de 2014

GUSTAVO   CORÇÃO   SAIU   DO   SÉRIO!

Naquele sábado de chuva eu fui poeta porque Manoel  Bandeira me emprestou seu coração. Tirei um dia do ano, que nem sequer é bisexto,  e deixei-me ter uma saudade imensa do poeta  que não fui.  Os poetas existem para emprestar voz aos que o não foram, ou talvez embalsamaram o mais vivo de si mesmos.  Ah! eu também tive um porquinho da índia, só que tem que era  um pintinho amarelo. No mais... Não sei, Manoel Bandeira, se alguma vez, nas vezes das Marias, das Terezas, você encontrou quem lhe dissesse estar coprometida. Digo-lhe hoje eu. Chego a ter , Deus me perdoe,  inveja de sua graciosa liberdade, inveja de não poder desatar o prisioneiro que trago. Sou hoje militante. Engajado. Comprometido. Com sete deveres de estado e com um noivado no céu.  Ousarei confessar-lhe, ó poeta, que não morreu ainda o poeta menos-do-que-menor que não fui? Muita vez vou visitá-lo às escondidas, como um Nicodemos, e de nossas confabulações trago o pouco que põe vida e calor nas obras de meus compromissos, dos sete  deveres de estado. E é só essa poesia  segunda, essa poesia de avental, subalterna, engajada, que tenho posto a serviço de meu ciumento senhor.  Não posso mais desatar a mordaça do doido que quer dançar e cantar. O pouco que concedi naquele sábado  de chuva trouxe-me um cerco de meninas flores que roubo ao poeta para uma diferente serventia: Pálidas meninas Sem olhar de pai, Ai quem vos dissera, Ai quem vos gritara: Anjos, debandai! Nem todas debandaram. Uma flor de poesia renitente conservou-se ao pé de mim. Maria de Sonho ou Tereza Inventada, ficou junto de mim a me dar esquecimentos dos sete deveres de estado. Compus-lhe então uma ilha, e ríspido a despedi: Vai, filha! vai brincar! vai dançar descalça na areia, coa sombra de Annbell Lee... Enxotada a poesia, volto à prosa rimada da sucessão. Etelvino ou Juscelino?  Tão Brasil!" (Maio, 1955: DEZ ANOS, Gustavo Corção).

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