domingo, 12 de janeiro de 2014

TRISTÃO   RECORDANDO   PADRE  LEONEL FRANCA

 A pedido de Jackson, Tristão foi conhecer o Padre Leonel Franca. Eis o que escreveu  ao amigo sobre esse encontro em 1927: "Fui. E a 15/08/1928, depois de longas conversas, a princípio no parlatório e depois no seu quarto do Col. Santo Inácio, era de suas mãos  que eu recebia a PRESENÇA de que, por 20 anos me privara desde a primeira ou segunda comunhão nos remotos anos de 1907 ou 08. Longas conversas com que a lógica inflexível de Leonel Franca ia pouco a pouco preparando o meu adeus à DISPONIBILIDADE.  Era o choque de uma cultura autodidata, como a minha, feita ao sabor de leituras desordenadas, embora numa intensa e como que subconsciente procura da verdade e insatisfação com as mentiras e  verdades parciais, com uma cultura hierarquizada, sedimentada, argumentada e argamassada por mãos universitárias europeias, como a dele, que Murilo Mendes, à saída de uma daquelas famosas conferências mensais no Santo Inácio, promovidas pelo Centro Dom Vital, chamava de "cultura de cimento armado". Hoje evocando aqueles meses da  mais profunda tensão espiritual, e ao cabo de quarenta anos de integração na "catedral" de que então me falava o Padre Franca, como adiante explicarei, o que me dobrou, muito mais que os debates intelectuais, foi o que havia para lá dessa consctrução mental inabalável. Era talvez aquele sofrimento a que se referia Jackson. Era acima de tudo o profundo sentimento humano daquele grande e poderosos espírito que tão profundamente marcou nossa geração.  A "catedral"a que acima me referi,  foi uma imagem que ele empregou certo dia quando eu lhe apontava para os defeitos da Igreja: "São como os vitrais de uma catedral, contestou-me. De fora, o que se vê, são apenas as nervuras de chumbo, por dentro é aquela maravilha das rosáceas de Chartres ou Notre Dame.  Entre e experimente. Nunca mais aquela imagem  me saiu do espírito, pela beleza e pela verdade.  É preciso penetrar as almas verdadeiras ou conhecer por dentro as instituições autênticas, para compreendermos o que de fora e de longe condenamos ou mesmo nos repugna.  Os fanáticos são sempre aqueles que adoram ou condenam o que só conhecem de fora para dentro, mesmo quando aparentemente se colocam de dentro para fora. Devo-lhe pessoalmente a minha própria travessia de uma à outra margem da corrente espiritual. Por isso mesmo é que,  no momento de sua morte, ao tentar dizer-lhe o meu adeus à beira  do túmulo ainda entreaberto, 1948, no cemitério S. João Batista,  mal pude falar. Fora por sua mão que ousara dar o passo definitivo para dizer o meu adeus à DISPONIBILIDADE. Hoje, rememorando esse momento de angústia, vejo apenas uma passagem, quando muito a travessia aventurosa de uma fronteira. O que eu via e sentia era um abandono, um repúdio, uma despedida definitiva do que havia sido minha mocidade.  Uma ruptura que me parecia radical e irreversível com a minha geração. Com meus amigos, comigo mesmo, como se um estranho me expulsasse de dentro de  mim mesmo. E a mão, ao mesmo tempo firme e carinhosa desse frágil "caniço pensante" é que me dera forças para me lançar no escuro do novo continente em que abordara. Por isso é que mal pude falar à beira de seu túmulo no dia 3 de setembro de 1948. Grande Padre Franca, tão grande de coração e de inteligência como frágil de corpo! Forte como uma coluna. Leve como uma asa de pássaro no ar". 

Nenhum comentário:

Postar um comentário