terça-feira, 28 de agosto de 2012

GUSTAVO CORÇÃO - 0 LIXO E O MONGE - 2

O último - e PRIMEIRO - cargo público exercido por GUSTAVO CORÇÃO foi fiscal de lixeiro. Assinava o ponto em São Cristóvão às quatro da madrugada, recebendo do chefe o itinerário a ser percorrido pela carrocinha puxada por um burro, conduzida por lixeiro maltrapilho que mandava o burro parar e andar com uns gritos especiais só pelo animal entendidos. Devia acompanhá-lo de longe. Parecendo-me odioso fiscalizar um pobre tão pobre - morreria de vergonha se ele me visse e soubesse que o espiava; tentei seguir itinerários diferentes, embora me afligisse a ideia de não estar obedecendo à ordem dada. Que tal acompanhá-lo de perto como lixeiro suplente ou amigo? Assim as quatro horas de serviço encurtaram, pois íamos ambos andando e conversando. Lembro-me bem de um que deixara em Muriaé a Emília, sua namorada. De posse de todos os dados sobre ela, perguntou-me, um dia, se eu poderia pôr numa carta a saudade toda que fervia nele. Mas essa carta deveria começar assim: "Idolatrada Emília!" Não me lembro hoje dos nomes dos garis que fiscalizei ou acompanhei, mas de uma coisa estou certo: entro na festa da Semana do Gari como um velho gari aposentado que, com a prática adquirida, se obstina em querer ainda hoje despejar o lixo que afeia e entristece a cidade de Deus. E por falar em Cidade de Deus, junto os pés e num salto galgo 20 anos de vida mal vivida. Acho-me agora às portas daquela Cidade a procurar, como num pesadelo, o itinerário de um gari extraviado. Nessa procura encontrei um moço poeta que acabara de escrever um poema que começava assim: "Varredor que varres a rua, Tu varres o Reino de Deus!" e que terminava numa esperança parecida com o anúncio do jornal de então. Chamava-se LAURO BARBOSA, tinha idade para ser meu filho, mas teve mão para guiar-me como um pai, como um padre: DOM MARCOS BARBOSA ( "Conversa Em Sol Menor", pp. 127, GUSTAVO CORÇÃO).

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