O CARNAVAL DE TRISTÃO EM 1916
"Combinei com um amigo ficar no quarto dele durante o carnaval de 1916, na Cremerie Buisson. Levei para o meu isolamento duas coisas contraditórias: as comédias de Aristófanes para ler e uns vidros de lança-perfume para respirar o éter. Era mais grave que álcool... Graças a Deus cheirei apenas um vidro e ainda me lembro do sono bom, à tarde, que o éter me provocou, com as rãns de Aristófsnes caídas no colo e ouvindo ao longe as cigarras como estou ouvindo agora (1916), do lado de lá do rio. Fiquei lá os 3 dias de carnaval, sozinho, passeando pelos matos e uma vez aparecendo nas Duas Pontes com surpresa para todo mundo, que me dava como empenhado a fundo nos bailes carnavalescos! Foram 3 dias de absoluto retiro entre os gregos, as cigarras, as matas então virgens da Quitandinha e um pouco de éter para adormecer e sonhar, influenciado por Baudelaire e seus paraísos artificiais. Êta mocidade maluca, nessa misturada de solidão, de trópico, de Grécia, de vício, de fuga ao mundo! 21 anos! Encruzilhada de caminhos: advocacia, diplomacia, Itamarati etc. Ali passei os dois verões mais dissipados de minha mocidade. E ali se decidiu de certo modo a minha vida! Poderia ter sido engolfado pelo mundanismo. Mas essa reação do carnaval de 1916 creio que foi providencial. Apesar da bisnaga do éter, Aristófanes foi mais forte: o livro venceu o lança-perfume! Estava lançado o meu destino! Só mesmo esta languidez das manhãs de Piabanha, ao som das cigarras e à vista das acácias, é que me permite esta gostosa e melancólica evocação da mocidade e das encruzilhadas do nosso destino!" (Carta de Tristão à sua filha madre Maria Tereza, 17/02/1960).
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
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