terça-feira, 24 de junho de 2014

UM   DOS   SINAIS   DE   VELHICE


Em carta de 01/02/1970 à sua filha madre Maria Teresa TRISTÃO DE ATHAYDE procura analisar-lhe o "desgosto que sentiu" lendo o romance "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Marques. "Quando começamos a envelhecer começamos também, mesmo em leituras e literatura, a preferir a verdade, a realidade à ficção. Eu mesmo já hoje prefiro ler história, memórias, críticas, à ficção em prosa ou à poesia. É que prefiro a realidade à fantasia. Você por mais longe que ainda esteja dos meus quase 80 anos, está também começando, talvez,  o mesmo processo de preferir o real ao ficto. Eu também nesses "CEM ANOS" o de que mais gostei foi da resposta que o autor deu a uma leitora sobre o sentido da expressão usada pelo autor  EM DETERMINADO CAPÍTULO DO LIVRO "anjos de dezembro": "Você não sabe que os anjos aparecem sobretudo em dezembro?" E Tristão se explica à filha: "Frase curiosa esta implicando no autor  uma real sensibilidade  ESPIRITUAL, não como simples recurso  literário, mas por uma estória, não apenas estética mas real,  que explica, aliás,  certas passagens do livro, como aquela muito bela, da dissipação,  digamos assim, da "REMÉDIOS, A BELA",  QUE SOBE AOS CÉUS ENVOLTA  NOS LENÇÕES, ou como aquela num modo semelhante ao hino do boêmio e bêbado Berro d'Agua no canto de Jorge Amado ("A morte e a morte de Quincas Berro D'Agua).  Em ambos (Garcia Marques e  Jorge Amado)  a REALIDADE se torna fluida e não rígida como no realismo materialista em que há uma fronteira NÍTIDA E BRUSCA  entre o REAL e o NADA. Em nossa FÉ o sobrenatural tem também uma REALIDADE NÍTIDA (embora de tipo puramente espiritual), mas entre os dois domínios, o do natural e o do sobrenatural, há também uma zona fluida, em que flutuam restos de matéria e princípios  de espírito, como nos fantasmas, nas aparições, nas vozes, etc.  Por fim, TRISTÃO escreve à filha que "compreendo que os "CEM ANOS" não te deixassem  nada, pois é realmente um quadro melancólico de vidas sem  futuro, sem sentido, em que tudo acaba na volta à selva ou ao pântano primitivo como se o caos estivesse  tanto no princípio como no fim de todas as coisas".


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