terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

HÁ   CEM   ANOS   TRISTÃO   REGRESSAVA   DA   EUROPA

Em 1914 Tristão de Athayde (1893-1983) regressava da Europa aonde fora com o projeto de completar em Heidelberg seu curso jurídico, "uma veleidade mais ou menos vaga, que a guerra de 1914 se encarregou de tornar pré-histórica e ridícula". Em 1950, passados trinta e alguns anos,  Tristão, de volta à Europa,  descobre que  as duas carnificinas anteriores, de 14 e de 39, ainda não tinham satisfeito  toda a sede de sangue dos Moloques totalitários.  Apesar disso, foi cheio de confiança que voltou à Europa. Era pela quarta vez: a primeira  em menino, em 1900, a segunda adolescente, em 1909, na terceira, em 1912,  "levava a alma prematuramente envelhecida de nossa geração de moços sem mocidade, à busca de  uma cultura de puro diletantismo".  "Hoje, escreve ele, depois de 40 anos de interrução e de 40 livros pulicados, é com a cabeça branca, mas com uma nova mocidade no coração, que cruzo de novo esta linha  equatorial cujas calmarias tropicais já começam a fazer sentir-se neste terceiro dia de viagem entre céu e mar". "Fecho-me como outrora com a companheira fiel de todos os tempos: a Solidão. Sete lustros passados, tudo mudou de 1913 até hoje, salvo a fantasia, salvo o oceano. Pois o próprio "céu" para mim é outro!  Tristão converteu-se ao catolicismo em 1928. Que vou agora encontrar nesse Velho Mundo, tão ardentemente amado por todos nós que temos, como Nabuco, o coração na América e a inteligência na Europa? Primeiro, ROMA, pois em 1914 da Itália só visitara Santa Catarina de Siena (com Oxford e Ouro Preto um dos três encantos de minhas memórias urbanísticas). Bem sei que ROMA, no que tem de vivo, é, em grande parte, esse catolicismo mundano e burocrático que mais detesto. Bem sei que ROMA, a verdadeira ROMA, está não apenas junto ao túmulo do Apóstolo, mas em toda parte onde está Pedro e onde está a Igreja militante e sobrenatural: "Ubi est Petrus, ibi est Ecclesia et ubi est Ecclesia ibi est Veritas". Na França, fui a Pau "que tem para mim um espinho. Lá fui levar flores ao túmulo de uma irmã, Abigail, internada por meu pai no Sanatório de São Lucas, em 1912. Ali viéramos juntos de trem até Bayonne. Ali ele desceu com minha irmã mocinha e uma empregada. Foi a última vez que vi minha irmã mais velha. Fora uma menina linda. Machado de Assis fizera versos para ela recitar, pois gostava de brincar com ela na grade de nossa casa. Seus cachos louros encantavam o velho viúvo, melancólico. Fora linda e inteligente. Tão inteligente que alguma corda se partira muito cedo,  naquela menina que fora o encanto primeiro de um lar feliz". Saí de mãos  abanando do Sanatório, à procura de um túmulo. Tantos dramas semelhantes havia naquela casa sombria, que ninguém podia dar muita atenção ao que,  de tão perto, me tocava.  Fui passando os olhos pelos quartos, as mãos pelas árvores, como que a reter alguma coisa do que fora a sua vida, depois que nos deixara, naquela triste manhã de dezembro de 1912, até que trinta e um anos depois... "Esta volta à França ficará ligada para mim  a essa evocação  de uma sombra que passou por nossa vida, sem pesar nada sobre a terra, mas fazendo sangrar prematuramente ao menos dois corações amargurados. Deixo seu nome à testa deste capítulo, como deixei as violetas sobre a pedra de seu túmulo"("Europa de Hoje", por Tristão de Athayde, 1950).

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