quarta-feira, 2 de maio de 2012

0 PADRINHO DE TRISTÃO DE ATHAYDE

"Somos hoje muito poucos os que sabem da existência de uma vida que, há 50 anos, em 09/1909, se transformava em letras de mármore num recanto esquecido do cemitério do Carmo, no Rio: ANTÔNIO MARTINS MARINHAS. Meu coração o sabe, porque ele encheu a minha infância e foi para mim, em face de Deus, o revelador dos mundos encantados das histórias maravilhosas que povoaram meus sonhos mais remotos. A chácara em que nasci, entre Laranjeiras e Cosme Velho, batizados cada dia pelas águas cantantes do rio Carioca, era contígua à do meu padrinho. As duas formaram a minha aldeia natal, um Rio à parte, próximo do Rio, e ambos tão longe e diversos do Rio de hoje, que são como mundos distantes, separados entre si por séculos e oceanos. Com meu padrinho a vida que contava ERA A VIDA AO AR LIVRE. No Cosme Velho ainda teve por algum tempo duas espertas bestinhas, que foram saindo cada vez menos, até que morressem e fossem vendidas, quando a vida piorou e o luxo acabou. E o coração começou a dar sinais de fadiga. Amei a meu padrinho tanto quanto a meus pais, tão intimamente participou da minha infância e adolescência e me quis como a um filho. Passados 50 anos de sua morte, estou certo de que o amo muito mais do que quando o deixei nas Laranjeiras, no portão do nosso 214, quando parti para a Europa em 1909. Gostava dele então como a criança gosta dos mais velhos sem sentir, sem saber, por simples hábito de vivermos junto deles. Hoje gosto dele porque sei o que ele foi para mim. Hoje gosto dele mais do que outrora, porque, perdendo-o, é que soube o que perdi. Não foi apenas a infância, não foi apenas a adolescência que sua morte levou de mim, escondendo lágrimas na saída rápida da janela, para que só guardasse dele o claro riso do amor à vida. Gosto mais hoje dele, por que me ensinou a amar a vida. Bendita a bravura com que enfrentou os ventos adversos da vida, esse homem bom, simples, amigo, alegre, contador de casos e amador das coisas boas da vida de cada dia, que hoje tão poucos sabem que um dia existiu e que marcou para sempre os corações que o amaram e hoje o amam mais na medida mesma em que o eaquecimento do mundo o faz viver apenas na saudade do seu menino" ("Companheiros de Viagem", por Alceu de Amoroso Lima, pp.130).

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