sábado, 19 de março de 2011

MERTON EM CUBA - DÉCADA DE 1940

A RAZÃO DE MINHA VINDA A CUBA ERA REALIZAR UMA PEREGRINAÇÃO A NOSSA SENHORA DO COBRE. Eu estava aprendendo a coisa que não podia ser aprendida por completo senão numa cultura que, pelo menos exteriormente, fosse católica. Precisava-se da atmosfera do catolicismo francês ou italiano ou espanhol, para se ter a possibilidade duma experiência completa e todas as alegrias naturais e sensíveis que fluem da vida sacramental. Vivi naquela ilha como um príncipe, como um milionário espiritual. Toda manhã me levantava às 7,30, saía para qualquer rua batida de sol e entrava logo numa de suas várias igrejas, umas bem novas, outras datando do século XVII. Tão logo chegava, já podia receber a comunhão, caso quisesse, porque o sacerdote saía do altar com o cibório cheio de hóstias, antes, durante depois da missa. E cada quarto de hora começava uma nova missa num altar diferente. Para onde quer que me virasse, havia um sacerdote pronto para nutrir-me com a infinita força de Cristo que me amava e que estava começando a me mostrar com imensa e generosa prodigalidade quanto me amava. Muitas vezes saía duma igreja e ia ouvir missa numa outra, principalmente se acontecia ser domingo. Ouvia sermões harmoniosos feitos em espanhol, língua cuja gramática já por si é cheia de dignidade, misticismo e cortesia. Depois do latim, me parece que não existe nenhum outro idioma tão adequado para a oração e para se falar sobre Deus como o espanhol, pois se trata duma língua ao mesmo tempo forte e maleável. Tem em si timbres incisivos, tem a boa qualidade do aço, o que dá a medida de que precisa o misticismo, e, todavia, é branda também, gentil e fluente, coisa de que a devoção precisa. E é cortês, súplice e galharda, rendendo-se surpreendentemente pouco à sentimentalidade. Tem algo da intelectualidade do francês, mas não a algidez que existe nessa intelectualidade do francês, e jamais transborda nas melodias femininas do idioma italiano. O espanhol nunca é um idioma fraco ou tímido, nem mesmo quando nos lábios duma mulher. Depois que me dava por satisfeito de rezar, saía para as ruas, punha-me a andar entre luzes e sombras, parando para beber copos imensos de suco de fruta gelada, em pequenos botequins. Depois voltava para casa e me punha a ler Maritain e Santa Teresa, até chegar a hora do almoço" ("A MONTANHA DOS SETE PATAMARES", THOMAS MERTON).

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