quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CORÇÃO, UM DOS CONVERTIDOS DO SÉCULO XX

GUSTAVO CORÇÃO (1896-1978), escritor carioca de estilo chestertoniano, convertido, quarentão, ao catolicismo, no livro DEZ ANOS, em texto engrandecedor de narrador e narrado, carinhosamente descreve um fato ocorrido entre ele e o colega de trabalho, Nathan Neugroschel, na Escola Técnica do Exército. Em vésperas de casar-se, casa alugada por dois meses, uma contrariedade: o primeiro aparelho do gênero produzido na fábrica atrasa-se, devendo entrar em prolongadas experiências, logo na época do enlace do produtor. Sabedor do fato, seu "amigo de verdade" o procura: "Casa-te. Eu fico aqui!" E ficou. Jantava e vinha trabalhar até às duas da madrugada por mais de um mês. Informado do trabalho estafante do amigo, pediu para ele aos diretores da fábrica boa gratificação, sobremodo útil, porque então chegavam da Europa, sem nada, parentes de Nathan, fugindo do nazismo. Corção foi oferecer-lhe o dinheiro. Como uma criança emburrada, grosso, bruscamente num gesto quase cômico Nathan mostrou-lhe as mãos, dizendo: "A m... já me sujei as mãos... mas ainda não me chegou ao coração"! Sentindo o absurdo da ideia: a tentativa de Corção de pôr em cifras, de indenizar, de fazer a quadratura de uma generosidade perfeita, foram para um café, dialogando sobre outros assuntos. Nathan contou-lhe, então, como conseguira simplificar uma passagem de seu sonhado livro de introdução à teoria da relatividade, enquanto Corção sentia a m..., isto é, o cheque a lhe pesar no bolso e no coração. Quando lhe falava de Santo Tomás, Nathan o ouvia com um sorriso doloroso. Mas nunca opunha Einstein, pelo impedimento existente: a Viena perdida, sua infância, seu sangue, seus irmãos perseguidos. Corção nunca ousava esperar convertê-lo. Nunca ousou propor-lhe aquilo que a Nathan fora oferecido antes de lhe ter sido dado. Confessou-lhe Nathan que, quando lhe falavam em Deus, ele pensava nos judeus arrastados pelas barbas. Ao que Corção observava que ele também, em tais ocasiões, pensava num judeu espancado. E diante de tal encontro ou desencontro, os dois silenciavam, até que um teorema os tirasse da espessa realidade"(resumo quase "ipsis litteris"do capítulo do livro "DEZ ANOS", de Gustavo Corção).

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